A comemoração foi quase generalizada: áudios do WhatsApp também podem ser ouvidos na velocidade 2, ou 2x, se assim você preferir chamar.
A excitação com a novidade revela a nossa infância digital. Como crianças que querem comer apressadamente, deixar de dormir, tomar banho rápido ou estudar para ter mais tempo de brincar, somos consumidos pela paranoia moderna de controlar o relógio para viver a ilusão de um dia maior e uma vida mais produtiva.
Você toparia participar de uma experiência quântica que acelerasse a sua vida para 2x? Toparia diminuir seu tempo de vida pela metade para que tudo que desejasse fazer se tornasse possível rapidamente?
Vivemos em uma sociedade que não tolera a interrupção, a negatividade. O cansado é visto como vencedor, bem como o impaciente e ocupado é interpretado como aquele que é bem sucedido. Na prática o valor está em ser cansado e não em ser vencedor. Falar que está trabalhando muito, que não tem tempo para a família e muitas vezes para a própria humanidade é um conceito que nos fez acreditar que a pessoa ocupada é bem sucedida e que quem tem tempo para si e para os outros é fracassado.
O homo digital precisa mergulhar na sociedade do desempenho, que não aceita pausas, que regula o repouso como uma interrupção do tempo de trabalho. Já não há mais o tempo em si, apenas intervalos do trabalho e mesmo as interações humanas impõem uma indesejável negatividade ao alcance de resultados e sucesso.
A comunicação tornou-se uma dessas interrupções indesejadas. No mundo do alcance digital essa possibilidade multiplicou-se, e muitas vezes nos sentimos angustiados em não conseguir dar conta. Por essa razão, torna-se tentador poder fazer mais em menos tempo, respondendo mais pessoas mesmo sem dedicar ao outro a atenção que acreditamos merecer, usando os recursos tecnológicos disponíveis: como acelerar a leitura e a escuta.
O acelerador de áudio do WhatsApp chegou como uma revolução, mas é também uma denúncia de nossa humanidade apressada, que insiste em controlar o tempo e o outro, como se qualquer coisa além de si mesmo fosse desperdício.
É um doping digital que permite, de um certo modo, um desempenho sem desempenho. Uma escuta sem conexão, um ouvir a mensagem sem de fato escutá-la, fazendo com que nos sintamos uma espécie de super-homem que acelera as pessoas para que falem mais rápido, controlando artificialmente a voz, o tempo e a interação humana do outro.
Confesso que algumas vezes uso o acelerador, mas algo me diz que em algum momento a vida pode me convidar a ouvir novamente essas mensagens, principalmente, de algumas pessoas que amo.
Refletir sobre isso pode impedir que o excesso do foco no desempenho nos leve ao infarto da alma.
Você toparia acelerar a sua vida para 2x? Toparia diminuir seu tempo de vida pela metade para que tudo que desejasse fazer se tornasse possível agora?
Por: Jaime Ribeiro
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